sábado, 27 de outubro de 2007

De repente


Pôr na vida alheia parte dos meus olhos,

Deixar lá algo do que é meu

E pouco a pouco ir juntando molhos

De tralha (que me valha!), que sou eu...


Lá vai a vida a correr sem fundamento,

Com a pressa de se gastar a cada dia,

Vou calcando caminhos que tropeçam no entendimento

E só no chão calo a razão que a justificaria...



Houvesse tempo, mais do que de repente,

Houvesse razões de sobra p'ra toda a gente,

Que ainda assim não faltariam ais.


Onde estaria o doce da pressa daí por diante?

E quem faria da vida uma aventura errante?

De que falam poetas como V. Morais.

(foto: Ana Fernandes)

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Memórias



Fecho os olhos para o que já foi poder brilhar
No que ainda me pertence, mas só cá dentro
E que não sendo novo dá alento
Aos que escolhem bem o que guardar.


E sem estar atenta vão ficando
Perfumes de gentes, de flores
Amargos ou doces sabores
Ou o azul do mar ondulando.


Preencho assim o vazio da solidão
Pela não invocada recordação
Que me deixa com brilho ou a marejar...

Memórias minhas ou que sou eu
Que ligam para trás tudo o que é meu
Num fio que protejo de se cortar!


(foto: Ana Fernandes)

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Mar



Aqui naufrago os dias e sobrevivo

Com a mão doce de um livro

Onde mergulho o meu olhar.

Aqui deito borda fora os segredos

Amarro-os bem nos rochedos

Quebrando-os as ondas do mar.

Aqui, onde este olhar em suspensão

Cai na espuma branca da imaginação...

sábado, 13 de outubro de 2007

Nós e os Bonecos




Serviram-nos eles, um dia…
(quando gastávamos o tempo sem nostalgia)
Para acalmarmos os medos,
Para contarmos segredos,
Realizar nossas vontades.
Multiplicávamo-nos em papéis,
Fomos pobres, fomos reis,
Fomos donos das verdades.

Serviram-nos eles, um dia…
(quando gastávamos o tempo sem nostalgia)
Para irmos antecipando,
Deixar, pela nossa, outras vozes ecoando
O que nos custava entender.
Éramos nós e toda a gente,
Falávamos de um modo diferente,
Falávamos como quem quer crescer.

Serviram-nos eles, um dia…
(sem eles o tempo tem nostalgia)
Para agora fugirmos à brincadeira,
Como se crescer fosse toda a maneira
De evitar modos de criança.
E menos nós começámos a ser
Quando pusemos em nós os bonecos a viver
Quando brincar passou só a lembrança.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Embora




Embora compre novos discos,

A minha música não tem moda.

Embora ande em frente,

O meu caminho anda em roda.

Embora conheça mais gente,

Os meus amigos vêm de trás.

Embora corra riscos,

Nunca sei se sou capaz.

Embora dê muito de mim,

Para os outros não é assim...

Embora corra atrás do destino,

Forço-o a correr mais ainda.

Embora... Vou embora

Porque o tempo é um desatino

E o passo lento demora

Numa estrada que não finda!

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Frescura


Há brisas que o tempo não recorda,

Há ventos que varrem o ar sombrio,

Há aragens que tecem como se borda

O frescor, a frescura e o frio.


Ah, que tempos foram que já não sei,

Ah, que sombrio ar que me encarou,

Ah, que bordados com que me enfeitei,

Para o frio que quase me gelou.


Foi com o que sei que nasci,

Foi com esta cara que fiquei,

Foi com este feitio que aprendi,

E chegando ao gelo me lembrei...


Que nascendo tudo se esquece,

Que há quem fique a milhas do que quer,

Que é aprendendo que se aquece,

Ah!... que frio mulher!
(foto: Ana Fernandes)